SANTAS MISSÕES: O ritual de encomendação das almas em Oriximiná, Pará
Encomendação das Almas; ritual; performance; ritos fúnebres.
A Encomendação das Almas é uma tradição difundida em várias partes do Brasil, sob diferentes denominações e manifestações. Realizada, em geral, na Semana Santa ou durante toda a quaresma, congrega práticas rituais de rogo, entoação de cânticos lamentosos e rezas, que visam a interceder pelas almas. Na Amazônia, apresenta-se como provável resultado de incorporações de crenças indígenas, africanas e europeias, na forma de expressões de culto às almas e à memória dos mortos, visando ao seu alento ou salvação. Em Oriximiná, no noroeste do Pará, nove grupos compostos por especialistas em encomendar almas atuam nas zonas urbana e rural do município. Entre eles, o grupo Santas Missões foi delimitado como objeto empírico desta etnografia. Acompanhando-o em diferentes momentos e contextos - antes, durante e depois dos ritos propriamente ditos -, interagindo e dialogando com seus membros - inclusive no âmbito de entrevistas - indagamos como eles compreendem a morte e lidam com os mortos por meio do ritual e/ou na vida cotidiana. Levantamos a hipótese de que, basicamente, o conjunto ritual cumpre funções junto a duas classes de seres distintas: as almas (dos mortos) e os vivos. Estes, por sua vez, dividem-se em dois grupos: os que solicitam/recebem o ritual e os próprios encomendadores, que o executam. Nos discursos nativos, são recorrentes as categorias religiosas de céu, inferno e purgatório a justificar a encomendação das almas e a articular símbolos e noções do sagrado, de forma a operar efeitos sobre o estado das almas. Nos atos ritualísticos que aproximam rezadores e fiéis, os mortos são pensados como dotados de intenção, sentimentos, vontades; podem agir sobre o mundo dos vivos através de aparições (visagens), provendo bençãos e proteções, e ainda aplicando punições aos merecedores. Nos relatos biográficos dos encomendadores, emergem as crenças e os conhecimentos que nos levam a ver os mortos como vivos e em constante interação com este mundo, onde os nativos concebem e operam uma cosmologia própria que identifica a prática ritual local. Em suma, a pesquisa documenta a prática da Encomendação das Almas que se baseia em saberes tradicionais sobre o mundo dos mortos, mas produz efeitos no mundo dos vivos, revelando modos de ser, existir e pensar o fenômeno da vida.