Encomendação das almas em Oriximiná.
Encomendação das Almas; ritual; performance; rito fúnebre.
A “Encomendação das Almas” é uma tradição de origem portuguesa difundida em várias partes do Brasil, sob diferentes denominações. Realizada, em geral, na Semana Santa, congrega práticas rituais de rogo, entoação de ladainhas, cânticos lamentosos e rezas que visam a interceder pelas almas. Em Oriximiná, no noroeste do Pará, nove grupos compostos por especialistas em encomendar almas atuam nas zonas urbana e rural do município. Entre eles, o grupo “Santas Missões” foi delimitado como objeto empírico desta etnografia. Acompanhando-o em diferentes momentos e contextos - antes, durante e depois dos ritos propriamente ditos -, interagindo e dialogando com seus membros - inclusive no âmbito de entrevistas - indagamos qual é a motivação do ritual e o que responde pela sua continuidade atualmente. Levantamos a hipótese de que, basicamente, o conjunto ritual cumpre funções junto a duas classes de seres distintas: as almas (dos mortos) e os vivos. Estes, por sua vez, dividem-se em dois grupos: os que solicitam/recebem o ritual e os próprios encomendadores, que o executam. Nos discursos nativos, são recorrentes as categorias religiosas de céu, inferno e purgatório a justificar a encomendação das almas e a articular símbolos e noções do sagrado, de forma a operar efeitos sobre o estado das almas. Nos atos ritualísticos que aproximam executores e espectadores, as performances são em si mesmas objetos a merecerem atenção investigativa. Elas são significativas e afetam os vivos, alterando seu próprio estado. Nos relatos biográficos dos encomendadores, emergem as crenças e os conhecimentos que os levam a ingressar e/ou a continuar no grupo para executar o ritual como um tipo de obrigação. Em suma, a pesquisa documenta uma prática ritual baseada em saberes tradicionais sobre o mundo dos mortos, mas que produz efeitos no mundo dos vivos, revelando modos de ser, existir e pensar o fenômeno da vida.