Pesquisa elabora perfil clínico e epidemiológico com acidentes por arraia em Alter do Chão

De acordo com o estudo, de 2009 a 2018, 541 pessoas feridas por arraias foram atendidas em Alter do Chão, Pará. Além do perfil, os dados de pesquisa irão validar o aplicativo SNAA mobile

 

As arraias apesar de não serem agressivas, são peixes peçonhentos com maior significância médica do mundo porque provocam acidentes severos quando importunados. Na Região Amazônica, principalmente entre comunidades tradicionais e ribeirinhas, os acidentes por arraias são comuns. Apesar da ocorrência, esse grupo de animais é pouco estudado. Em Alter do Chão, de acordo com os dados levantados na pesquisa desenvolvida por Francilene Eckhardt Alves, mestranda do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da Amazônia (PPGRNA-UFOPA), foram registrados desde 2009, 541 casos de acidentes com arraias da família Potamotrygonidae.

Os dados de pesquisa foram coletados nos cadernos de procedimento da Unidade de Saúde 24 horas e na Unidade Básica de Saúde da Família da vila, no entanto, este número pode ser maior já que algumas pessoas não procuram o atendimento médico. No Brasil, os sistemas de notificação envolvendo animais peçonhentos dão maior ênfase a acidentes por animais terrestres, como, serpentes e escorpiões e arranhas, com pouca informação direcionada às arraias. “Como o número de pessoas acidentadas tem sido crescente e a maioria das pessoas não procura o atendimento médico, existe uma subnotificação dos casos, o que leva a falta de conhecimento das características deste tipo de acidentes aquáticos”.

Por não existir um sistema que de fato faça a notificação dos acidentes, conta a mestranda, pesquisadores da Universidade Federal e também Instituto Federal do Amazonas desenvolveram um aplicativo, chamado SNAA mobile (sistema de Notificação de Acidentes por arraia), que já foi testado apenas com dados fictícios. Agora, com a pesquisa feita em Alter do Chão pela Francilene, o aplicativo está sendo validado com informações reais. Além da validação do aplicativo, Francilene também desenvolveu um formulário que foi disponibilizado para os profissionais da saúde da Unidade Básica de Alter do Chão.

Para a mestranda, a coleta e organização das informações a respeito dos acidentes com arraias, a partir do processamento eletrônico, favorecem a padronização da coleta dos dados na própria unidade de saúde. “Há casos que não há um prontuário médico padronizado para o registro das informações de como ocorreu o acidente, há apenas o caderno de procedimento, então o registro das informações depende muito do profissional de saúde. Com a padronização, será possível obter informações como o local geográfico de ocorrência do acidente, possibilitando elaboração de um mapa com locais de maior incidência de acidentes”, informa.

Problema local - Atualmente, casos de acidentes com animais peçonhentos são notificados ao Ministério da Saúde por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, o Sinan, porém, o modo de registro não é adequado. “Há uma lista de doenças que são obrigatórias a notificação. Há uma página exclusiva para os animais peçonhentos, mas ela dá ênfase a outros tipos de acidentes com animais peçonhentos terrestres, não tem um campo de preenchimento para esses animais e na Amazônia mais de 80% dos acidentes com animais aquáticos são com arraias. É o animal que mais provoca acidente, é um problema local, dessa região que não é bem tratado, pois no sistema entra no campo de preenchimento de outros, mas qual é esse outro animal?”, explica a mestranda ressaltando que a validação do aplicativo com os dados reais de Alter do Chão será apresentado futuramente ao Ministério da Saúde.

Pesquisa com retorno à comunidade

Numa nova fase de pesquisa, agora, Francilene, as orientadoras, Valéria Mourão e Rosa Veras,  e os demais membros do grupo de pesquisa do laboratório de Bioprospecção e Biologia experimental da UFOPA, planejam reuniões de sensibilização com três grupos da comunidade: catraeiros, profissionais de saúde e turistas para apresentação dos resultados preliminares. A primeira delas, com os catraeiros, já foi realizada. “Nela, alguns relataram que já foram ferrados várias vezes. Um caso chamou atenção, pois a vítima nos contou que já foi ferrado seis vezes”, lembra a orientadora da pesquisa, Valéria Mourão. A próxima reunião com a comunidade é neste sábado, dia 14, na Ilha do Amor e Praia do Cajueiro.

Nessas trocas de experiência com a comunidade, a mestranda percebeu que, como é comum os acidentes com arraias, as vítimas só procuram a unidade de saúde quando o ferimento agrava com a falta de tratamento adequado. “Inicialmente o veneno e o ferrão causam um ferimento pequeno e com dor, mas quando ele não é bem tratado, o quadro pode agravar para uma úlcera, com necrose do tecido e com isso ocorre uma infecção secundária. Muitos casos, os pacientes só procuram o atendimento médico nessa fase. Como o veneno é termolábil, ou seja, ele é degradado com altas temperaturas, os populares buscam o alívio da dor com urina e até gasolina, mas, na verdade, só a água morna já alivia a dor”, relata Francilene.

Efeito sistêmico De acordo com a orientadora do estudo de Francilene, um grupo de pesquisa da UFAM pretende elaborar um soro contra veneno de arraia. Os pesquisadores, em outro estudo realizado, verificaram que o veneno de arraia apresentou uma rabdomiólise sistêmica, quando testado nos músculos gastrocnêmios das patas contralaterais de camundongos. A rabdomiólise é uma síndrome de destruição do músculo esquelético que pode evoluir para um quadro de insuficiência renal grave. “Por isso, a importância de se ter um imunobiológico específico para neutralizar o veneno de arraias de água doce ”, conclui Valéria Mourão.

Serviço: A ação Percepção dos banhistas sobre acidentes por arraias em Alter do Chão ocorrerá na Ilha do Amor e Praia do Cajueiro, durante todo o sábado, dia 14.

Talita Baena

13/12/2019

Notícia cadastrada em: 13/12/2019 13:48
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