Ordenamento Fundiário na Várzea Amazônica e os regimes sociais de propriedade na região do Urucurituba, Santarém, Pará: atores sociais, instituições e arranjos produtivos.
regularização fundiária; território; comunidade tradicional
As várzeas são territórios marcados por dinâmicas naturais de cheias e secas, que apresentam grande potencial produtivo, mas enfrentam desafios relacionados à ausência de regularização fundiária, infraestrutura básica e políticas públicas adequadas às suas especificidades socioambientais. A crescente demanda das comunidades por segurança jurídica e acesso a programas institucionais de apoio à produção evidencia a urgência de ações integradas de ordenamento fundiário e gestão compartilhada dos recursos naturais. No Baixo Amazonas, especialmente na região do PAE Urucurituba, em Santarém (PA), esses territórios são historicamente ocupados por populações ribeirinhas com modos de vida fortemente baseados no agroextrativismo. A tese teve como objetivo identificar e mapear os diferentes processos de ocupação, as principais culturas agrícolas desenvolvidas nas comunidades, a vocação etnocultural dos ribeirinhos e as necessidades de capacitação agrotecnológica, com vistas a subsidiar mecanismos legais de reconhecimento da posse e valorização dos modos de vida tradicionais. A pesquisa adotou abordagem metodológica mista, combinando análise documental, aplicação de questionários semiestruturados e observação direta em campo, com foco no estudo de caso do PAE Urucurituba. Os resultados revelaram a existência de sistemas produtivos integrados, baseados na pesca e na pecuária em menor grau, sendo a agricultura a principal atividade, com destaque para a produção de hortaliças em canteiros suspensos e cultivos de milho, abóbora e banana, sempre com foco na mitigação de efeitos decorrentes da sazonalidade hídrica. Atividades complementares, como a criação de pequenos animais e a meliponicultura, também se destacam, embora ainda sejam desenvolvidas em menor escala produtiva devido à ausência de assistência técnica. As comunidades demonstraram expressiva organização social, com atuação ativa da Organização Representativa dos Moradores (ORM), do Conselho Regional de Pesca do Urucurituba (CRPU) e de associações comunitárias. Contudo, a ausência de serviços básicos como energia elétrica, água potável e infraestrutura de saúde compromete o bem-estar das famílias e limita o desenvolvimento local. A regularização fundiária, em andamento sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), tem avançado na perspectiva coletiva. Porém, nota-se uma carência de instrumentos jurídicos adaptados à realidade das várzeas, como a inclusão dos lagos no processo de cessão e a efetiva aplicação do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) acompanhado de plano de utilização. A ausência de regulamentação “específica” sobre os corpos hídricos dentro dos PAEs compromete o controle comunitário e favorece conflitos com pescadores externos. O estudo recomenda o fortalecimento da cogestão territorial entre Estado e comunidades, a criação de políticas públicas direcionadas à realidade das áreas de várzea e a revisão dos marcos regulatórios fundiários, com atenção à integração de instrumentos de planejamento e conservação. Tais medidas são fundamentais para garantir segurança jurídica, sustentabilidade ambiental e o reconhecimento efetivo dos direitos das populações tradicionais que habitam esses territórios estratégicos da Amazônia.